5 de setembro de 2011

SEM LENGA-LENGA NEM MARACUTAIA

Revista Pessoa - [Ataliba T. de Castilho] As influências das culturas banto e sudanesa no português brasileiro.
[Ataliba T. de Castilho] Cerca de quatro milhões de africanos foram trazidos ao Brasil, entre 1538 e 1855, sujeitos a um contato mais intenso com a escassa população branca, se os compararmos aos 6 milhões de indígenas que aqui viviam, no momento da chegada dos portugueses.
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Entretanto, a influência africana no português começou muito antes, já no séc. XV, quando os portugueses trouxeram escravos africanos para trabalhar na lavoura e na cidade, substituindo os que partiam para as navegações. Gil Vicente documenta em suas peças teatrais a língua portuguesa falada pelos africanos.
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Os africanos trazidos para o Brasil integravam duas culturas: a cultura banto e a cultura sudanesa.
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A cultura banto cinde-se no Grupo Ocidental, originário do Congo e de Angola, e no Grupo Oriental, originário de Moçambique, Tanganica e Região dos Lagos. Seus representantes se fixaram no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Maranhão, Pernambuco e Alagoas.
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A cultura sudanesa compreende os fulá, os mandinga, os hausá, os fanti-ashanti, os ewê e os iorubá ou nagô, originários da costa oeste africana: Sudão, Senegal, Guiné, Costa do Ouro, Daomé e Nigéria. Eles se fixaram principalmente na Bahia, vieram em número menor que os banto, e dois séculos mais tarde.
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Estima-se em 300 o número de palavras africanas incorporadas ao léxico do português brasileiro. Os primeiros estudos sobre a contribuição africana atribuem aos africanos as simplificações da morfologia nominal e verbal que outros tantos textos atribuíram igualmente aos indígenas. Quanto ao léxico, eles procuram identificar as origens do vocabulário africano difundido no Brasil, e esse é o caso dos trabalhos de Raimundo Nina Rodrigues e Renato Mendonça Aires da Mata Machado Filho.
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Reproduzi no capítulo três de minha Nova gramática do português brasileiro (São Paulo: Contexto, 2010) as seguintes palavras banto, recolhidas por Yedda Castro:
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Banto ... Significado
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Bagunça ... Desordem, confusão, baderna, pândega ruidosa
Banguela ... Desdentado ou que tem arcada dentária falha na frente
Beleléu ... Cemitério: “ir para o beleléu”: morrer, sumir
Cachaça ... Aguardente obtida do caldo da cana; qualquer bebida alcoólica
Cachimbo ... Pito de fumar
Caçula ... O mais novo dos filhos ou dos irmãos
Carimbo ... Selo; sinete; sinal público com que se autenticam documentos
Encafifa(r) ... Amuar; calar-se de repente; envergonhar-se; desagradar
Lenga-lenga ... Conversa fiada, enganosa; discurso longo, enfadonho
Mambembe ... Medíocre, de má qualidade, inferior
Maracutaia ... Engodo, trapaça
Moleque ... Menino, garoto, rapaz; menino negro
Quilombo ... Povoação de escravos fugidos
Xinga(r) ... Insultar, ofender com palavras
Zonzo ... Atordoado, tonto, distraído
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A extraordinária complexidade linguística dos povos africanos, associada à prática portuguesa de misturar suas etnias às dos indígenas, para dificultar as revoltas, deve ter dado origem, após o século XVII, a um “dialeto das senzalas”, sorte de língua franca, segundo hipótese de Yedda Castro. Das línguas banto provêm as expressões vir de Aruanda (isto é, de Luanda, costa norte de Angola), dançar um Moçambique, rainha do Congo, e congada.
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As palavras banto incorporadas no português brasileiro conheceram uma dispersão maior pelas áreas lexicais, como atestam os itens cacunda, caçula, fubá, angu, jiló, carinho, bunda, quiabo, dendê, dengo, samba etc. Já as palavras da cultura sudanesa concentram-se em 65,7% na linguagem litúrgica dos candomblés, tais como estas palavras do iorubá incorporadas ao português:
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Iorubá ... Significado
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Afoxé ... Cortejo carnavalesco da Bahia
Agogô ... Instrumento musical usado no candomblé
Auê ... Confusão, alvoroço
Babalorixá ... Pai de santo
Ebó ... Despacho, oferenda
Ialorixá ... Mãe de santo
Iansã ... Orixá do fogo, do trovão e da tempestade
Iemanjá ... Orixá do mar
Ogum ... Orixá do ferro e da guerra
Odara ... Bem, bom, bonito
Orixá ... Divindade
Oxumaré ... Orixá da riqueza
Xangô ... Orixá dos raios e do trovão
Xinxim ... Cozido de galinha com camarões secos, amendoim e castanha-de-caju
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Foto: Blog do Labjor

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